Dias atrás, uma aluna marcou-me em um post de uma entrevista da feminista Elisabeth Batinder. Eu não a conhecia e, apesar dos visíveis problemas em sua argumentação, fiz o esforço de ouvi-la até o fim. Antecipo que a entrevista completa renderia páginas e páginas de refutação, pois está repleta de falácias, mas circunscrevo aqui minhas objeções à tese, apresentada logo ao início e que me parece fundamental, de que não existe instinto materno.

Batinder começa afirmando seu prazer em observar os pais e mães às voltas com os seus filhos nos parquinhos europeus, e que por conta desse hábito, acabou percebendo nos rostos das mães o quanto elas parecem entediadas e alienadas naquele mundo materno. Até aí, nada de errado, afinal, quantos de nós já não vimos algo assim ou não nos sentimos assim? No entanto, após um salto argumentativo olímpico, ela conclui, com base em tal observação, que, obviamente, a maternidade não é uma coisa natural para a mulher como o é para as macacas, de modo que, realmente, algo como “instinto materno” é uma mentira da cultura patriarcal que sempre lucrou com a opressão da mulher. Para embasar sua teoria, Batinder resolve reinterpretar a história desde o século XVII até os nossos dias, excluindo, obviamente, por um lado, Deus (e a religião), e, por outro, a natureza (uma existencialista heideggeriana?).

O livro que apresenta a teoria de Batinder não é recente. “O mito do amor materno” teve sua primeira edição em 1981. Não é difícil concluir, portanto, que as observações nas quais a autora se baseou remontam majoritariamente ao período das décadas de 60 e, principalmente, 70, isto é, imediatamente posterior às revoluções sexual e estudantil que convulsionaram a cultura ocidental no século XX. Salientar este aspecto não é sem importância, pois foi a partir deste recorte espaço-temporal que Batinder viu-se em condições de criar uma regra geral pretensamente válida universalmente. Mas será que as coisas são mesmo assim? Quem é a mulher ocidental e, mais especificamente, a européia, pós-revoluções da década de 60?

A mulher ocidental pós-revoluções de 60 é a mulher que testemunhou a banalização do divórcio e a ruína de sua família, que experimentou maconha, cocaína e LSD, que ingressou nas seitas new age, que reivindicou igualdade entre os sexos, que lutou por espaço no mundo do trabalho e que praticou o chamado sexo livre, isto é, o sexo sem compromisso, meramente recreativo, com quantos quisesse e quando quisesse. Ou seja, esta não é uma mulher normal, historicamente falando, mas uma mulher que sofreu, em um curtíssimo espaço de tempo, o impacto intenso de um grande número de mudanças dramáticas em seu modo de ser. E, de lá para cá, tais tendências e práticas tornaram-se mais e mais comuns, de maneira que o que inicialmente parecia exceção acabou por tornar-se regra.

Como, portanto, essa mesma mulher, ao descobrir-se mãe e ser de todo absorvida pela maternidade não pareceria entediada e alienada ao cuidar de suas crianças em um parquinho, já que seus filhos são o resultado indesejado de “uma transa” qualquer? Como não encarar a vida dura e rotineira do dia a dia familiar com uma disposição semelhante àquela do beberrão que sofre com a enxaqueca no dia seguinte ao porre? Como harmonizar as promessas mentirosas dos revolucionários com as verdades simples do cotidiano sem grande dose de frustração e ressentimento? E como hoje, passado meio século, não ouvir as afirmações de Batinder sem que elas soem repletas de verdade e respaldadas pela realidade que nos circunda? Repito, no entanto, a pergunta que fiz acima: será que as coisas são mesmo assim? E acrescento: teria Batinder desmascarado a mentira ancestral que nos aprisionou durante tanto tempo?

A resposta é simples: não. A mulher “sem instinto materno”, a mulher “vítima do patriarcado”, a mulher “entediada e alienada na vida doméstica” é a mulher estrategicamente planejada pelos revolucionários em sua luta pela destruição da “família burguesa”. De modo algum essa mulher, que infelizmente corresponde a quem muitas de nós nos tornamos nos dias atuais, é fruto espontâneo da história, resultado do natural desenrolar dos eventos, nascida de suas escolhas e decisões. Não. Ela é uma mulher artificial, postiça, fabricada, desenhada para a sua própria destruição e daqueles que estiverem sob o seu controle. (Para conseguir compreender de fato o que estou dizendo seria necessário um parênteses enorme para explicitar muito da história da origem do movimento feminista — não como as feministas o contam, adulterando o passado, mas como ele foi de fato –, entretanto, este não é o assunto do post e não há espaço suficiente aqui para tanto).

Agora, todavia, surge o dilema: uma vez que essa mulher artificial tenha se tornado a regra em nossos dias, onipresente ao nosso redor e também entronizada em nosso interior, como conseguir discernir a mulher verdadeira, aquela que se manteve basicamente a mesma ao longo dos séculos, dos milênios, que era feliz por ser quem era e sustinha a própria sociedade ao assumir seu papel no coração da família? Expandindo nosso horizonte histórico, olhando para além do que a viseira revolucionária nos permite ver, reunindo uma amostra variada de mulheres exemplares que, na peculiaridade de suas vidas individuais, dão testemunho de realizar à perfeição, apesar de seus limites, aquilo para que foram criadas por Deus. Sim, Deus e a natureza precisam voltar a participar de nossa vida e de nossa cosmovisão. Não há outro modo para retomar o fio da meada da história; não há outro modo de livrar-se do feminismo; não há outro modo de restaurar a feminilidade como ela de fato é e de encontrar alegria nisso.

O trabalho é árduo. Exige esforço, pesquisa, e principalmente o afastamento de uma série de hábitos e — muito provavelmente — de companhias que nos puxam em direção ao automatismo e à artificialidade do discurso feminista contemporâneo. Mas vale a pena. Reencontrar-se, redescobrir-se e poder desfrutar com maturidade das dificuldades e alegrias reservadas ao sexo feminino é um presente especial destinado àquelas que não querem mais a farsa, que não querem reinventar a roda, que não querem negar a história, que não querem negar a natureza, que não querem negar o instinto, que não querem negar a Deus. Assim, Elisabeth Batinder que me desculpe, mas mesmo debaixo de tantas camadas acumuladas em meio século de farsa e de loucura, a mulher verdadeira nunca deixou de existir em cada mulher individual: é preciso decidir-se por ela e, mais do que nunca, em nossos dias, por ela lutar.

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