Hoje o tempo me deu uma rasteira. Fiquei no chão, estática, olhando ele correr disparado e me deixando para trás, sem pena, sem paciência, sem tempo. Hoje, minha Chloe surpreendeu-me duplamente. Justo ela, que ainda brinca com o Benjamin, que disputa com ele como se tivesse a mesma idade. Justo ela, que arruma as bonequinhas, que se desenha como princesa, às vezes com o terço na mão, outras vezes com a espada, quase uma Joana D’Arc.

Há poucos dias descobrimos o aplicativo Duolingo, para aprendizado de língua estrangeira. Temos usado os exercícios de inglês e ela tem adorado. Hoje à tarde, porém, fui colocar os meninos para tirar um cochilo e acabei cochilando junto por alguns minutos. Quando voltei, ela estava no facebook comentando uma foto de um rapaz que eu nem sei quem é. O rapaz estava sem camisa, musculoso, bronzeado. E ela havia escrito “muito bonita a sua foto”. Fiquei chocada. Então ela já acha alguns homens bonitos?! Até pouco tempo ela achava horrível homens sem camisa!

Imediatamente ela começou a chorar. Não precisei brigar. Bastou que ela visse que eu havia descoberto para, pareceu-me, encher-se de vergonha. Pediu-me perdão em lágrimas, prometendo não mais fazer isso. Passado um tempo, expliquei-lhe, então, o porquê de ela não poder usar o facebook. Disse-lhe que existem muitos adultos malvados que enganam as crianças com fotos legais, bonitas, mas que só o que querem é fazer maldades. Expliquei que ela ainda é muito novinha, que ainda não sabe perceber quando uma pessoa é boa e de verdade ou quando é má e de mentira, e que por isso ela precisa obedecer a mim e ao Gustavo, não mexendo onde não deve. Ela concordou. Espero que obedeça.

Passado não muito tempo, veio ela novamente, surpreendendo-me pela segunda vez. Contou-me que às vezes tem um pensamento estranho. No pensamento, ela descobre que aquilo que ela vê através dos óculos não é a realidade, mas uma fantasia. No pensamento, quando ela resolve tirar os óculos, descobre, então, a verdade. E na “verdade” ela não tem nem mãe, nem pai, nem irmãos, nem casa, mas é órfã e vive na rua. Disse-me essa última parte quase em lágrimas, pois era um pensamento que a deixava triste. Contei-lhe, então, que quando eu era criança, tinha um pensamento parecido. No meu pensamento, tudo o que eu conhecia fazia parte de um sonho, ou melhor, de um pesadelo, e quando eu acordasse, tudo seria melhor e eu seria mais feliz. Imaginava-me uma princesa, muito bonita e amada vivendo em algum outro lugar. Ela riu. Disse-me que esse pensamento era engraçado (leia-se bobo) e foi brincar.

Espantou-me o seu pensamento e a sua percepção das coisas. Enquanto eu queria fugir de minha circunstância, minha filha ama a sua própria e teme perdê-la.

Deus é bom. A história não se repetiu. Mas o tempo continua a correr.

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  1. Camila, sabe o que eu acho muito legal da sua parte? Eh que você mostra o lado humano da criação de filhos. Mostra que eles também erram, fazem coisas que não deviam, e nem por isso deixam de ser surpreendentes! Falo isso porque é tão comum vermos as mães so contarem as gracinhas e as coisas boas da cria…

  2. Carambolas… ser pai e mãe é uma surpresa atrás da outra mesmo não é?? Umas surpresas são boas, outras nem tanto. Mas o importante é isso, tranquilidade para lidar com situações como essa e muitas outras que virão. Serenidade para corrigir e firmeza para castigar se necessário.

  3. Tem sido difícil para nós afastarmos as influências inadequadas. Na rua, na TV, internet, amigos vemos a infestação de palavrões, estupidez e desrespeito. Conversamos com nossa pequena, 8 anos, Ana, sobre o que é correto e sobre estas faltas cometidas pela falta de educação. Tem ajudado, felizmente! É na nossa vontade de estar ao lado dela que ancoro a imagem de pais confiáveis.

  4. Camila, quando li a parte do facebook e do homem sem camisa, gelei… Acho necessário que Deus nos dê estas ocasiões para nunca nos esquecermos que os filhos são "pessoas completas", como li há dias e que de facto um dom que ele nos dá e acredito ser tão valioso como o Seu Amor Incondicional por cada um de nós, é a liberdade. Mas cada vez que testemunho estes exemplos, sem dúvida que vem um frio gelado no meu coração…, talvez seja a consciência de que façamos o que fizermos, temos mesmo que ter a confiança cega que Ele os protege, que a nossa responsabilidade passa por conduzir, informar, mas não ficamos isentos de influências nefastas nem de reações individuais da independência dos nossos bens mais preciosos.
    Muito mas mesmo Muito obrigada por ter partilhado este episódio, pois acaba por dar amparo.
    Um beijnho grande e muitas bençãos de Deus neste 2014

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