Não me considero uma daquelas pessoas cheias de manias e apegada a rituais. Embora tenha uma tendência natural à rigidez e à fixação — como melancólica que sou –, aprendi cedo que a vida em família, com várias crianças, é uma vida em fluxo constante, com muitas coisas imprevisíveis sempre acontecendo. No entanto, um dos pequenos “luxos” que me concedo diariamente é uma pequena xícara de café com leite. Não é nada demais — um leite quente, uma colher de café solúvel e duas de açúcar mascavo –, mas é algo faz o meu dia começar com o conforto que preciso — ou suponho precisar. Mas hoje a história foi um pouco diferente.
Decidi começar o dia arrumando o cozinha. Gosto de deixar tudo pronto para quando o Gustavo decide cozinhar, ainda que nem sempre eu consiga. Assim, deixei o café para depois que a pia estivesse em ordem. Mas, claro, enquanto começava a organização e limpeza das coisas, as crianças foram acordando e o que seria uma atividade rápida e simples foi ganhando intervalos entre o atendimento às necessidades de um e de outro. O tempo foi passando e, quando a fome já se manifestava e eu estava prestes a finalmente aquecer meu leite, Chloe derrubou o vidro de café no chão, espatifando-o em dezenas de pedaços de vidro. Imaginem meu bom-humor. Limpei a bagunça irritada por não poder tomar meu café e, ao mesmo tempo, chateada comigo mesma por ser tão infantil e ainda apegada a algo tão pequeno. Aborrecimento duplo, pelo fato e por minha reação ao fato.
O Gustavo, querido, veio oferecer-se para ir ao mercado comprar mais café. Não aceitei. O dia aqui está péssimo — frio, chuvoso e revestido em neblina — e eu não poderia fazer com que meu marido, além de dispor-se a fazer o almoço de domingo, ainda fosse ao mercado num tempo desses. Vesti o casaco, calcei as galochas, girei a manta de lã no pescoço, coloquei o chapéu na cabeça e saí de casa mau-humorada.
Foi a primeira vez, desde a infância, que saí de galochas. Dei-me conta de que já não precisava desviar das poças d’água, dos gramados encharcados, da lama mole e resolvi, assim, seguir pelo caminho mais difícil em direção ao mercado. Não demorou para que eu descobrisse as alegrias de trilhar um caminho diferente e geralmente rejeitado: fui acompanhada por três canarinhos que pulavam ao longo de uma cerca; pude ver uma imensa teia de aranha carregada de orvalho, como que tentando reforçar os arames dos quais pendia; observei a sonolência daquele pedaço da cidade, como que a dormitar debaixo de um pesado véu branco, embora a manhã já fossem longe. Neste momento, lembrei-me da frase que uma amiga havia me dito na noite anterior, citando Santa Teresa D’Ávila: se há dois caminhos, escolha sempre o mais difícil. Foi como se o céu tivesse se aberto sobre mim: imediatamente resolvi mudar a disposição do meu coração e ficar contente pelos muitos privilégios que tenho, desde poder comprar um pacote de café a estar viva.
O caminho da manutenção do mau-humor, do não sair de casa — mas deixar meu marido resolver o meu problema –, da infantilidade da criança mimada que ainda existe em mim, seria e é, sem dúvida, o caminho mais fácil, o caminho para o qual tendo sem o menor esforço. Mas o convite da Santa, inspirada pelo próprio Jesus — que sempre escolheu o mais difícil e doloroso caminho por amor de todos nós –, embora parecesse, inicialmente, de desconforto, mostrou-se, em verdade, o melhor dos caminhos, o percurso no qual pude contemplar cenas que só são visíveis àqueles que se expõem e dispõem ao tempo ruim.
Que Deus me ajude — e ajude a todos nós — a escolher o caminho mais difícil sempre, pois ainda que nos custe, é ele que nos proporciona a visão de coisas apenas perceptíveis àqueles que escolhem a trilha menos percorrida, esteja ela diante de nossos pés ou dentro de nossos corações.
Amém.
Lindo, Camila!
Que o Espírito Santo nos conserve sempre no caminho mais árduo, porém único meio de santificação.