Era uma segunda-feira bonita e atípica: o sol brilhando, a brisa fresca soprando, Gustavo, que normalmente está em casa conosco durante o turno da manhã, estava na rua resolvendo alguns problemas, e eu varrendo e organizando a sala. Enquanto empilhava as cadeiras sobre a mesa, ouvi ao longe a voz de minha vizinha afirmando “não, não é aqui”. Virei-me para a janela e vi, então, o carro do Conselho Tutelar estacionado quase em frente ao portão de minha casa. Naquele instante, num misto de adrenalina, medo e coragem, encostei a vassoura na parede, peguei Nathaniel nos braços e encaminhei-me para porta. Eu sabia que não havia engano e que eles bateriam em minha casa. Em segundos fiz uma oração mental pedido a Jesus que nos socorresse e quase ao mesmo tempo o “toc-toc” aconteceu. Abri a porta e deparei-me com um homem e uma mulher de aspecto simpático.

Eu e Gustavo havíamos combinado que, no dia em que isso acontecesse, eu deveria pedir um minuto e ir até o telefone para avisá-lo, de modo que ele pudesse vir para a casa. Eu, contudo, sequer lembrei-me do combinado. Estava claro, para mim, que aquele era o momento de ser capaz de transmitir tudo o que temos vivido nestes últimos dois anos a duas pessoas desconhecidas, de maneira a mostrar-lhes que não há nada de ruim ou prejudicial no caminho que temos adotado.

Quem primeiro dirigiu-se a mim foi o homem, apresentando-se e dizendo que havia uma denúncia contra nós. Perguntei-lhe qual era a denúncia, ao que ele respondeu que era uma denúncia de que havia crianças na casa e que elas não estavam indo à escola. Respondi, de pronto: “Sim, é verdade. Entrem, por favor. Vamos conversar.” Eles se surpreenderam e entraram.

Como disse acima, eu estava arrumando a sala, de maneira que tive de pedir desculpas pela bagunça. Eles, por sua vez, foram gentis e disseram que poderiam voltar outra hora, mas disse-lhes que não havia problema, que podíamos conversar naquele momento mesmo. Foi então que as crianças, Chloe e Bibi, apareceram e perguntei-lhes se queriam ir brincar no pátio. Desnecessário dizer com que festa demonstraram que sim. Dei-lhes algumas instruções, pois eu não poderia ficar na rua cuidando-os, e voltei-me, finalmente, aos conselheiros.

Antes de mais nada, convém ressaltar uma coisa: desde o instante em que vi o carro até o último momento em que os conselheiros estiveram conosco, minha disposição foi uma só: contar TODA a verdade, não omitir nada, explicitar todos os motivos, dificuldades, esforços que envolveram e envolvem nossa caminhada como família homeschooler. Assim sendo, comecei retomando o que havia dito à porta, que, de fato, nossas crianças não vão à escola. Principiei, então, do começo, retrocedendo ao tempo em que Chloe ainda frequentava o colégio e explicitando os motivos que nos levaram à decisão de tirá-la de lá.
Boa parte de vocês já conhecem a história por meio das postagens mais antigas, mas aos que não a conhecem, deixo aqui o resumo do resumo: tiramos nossa filha da escola porque queríamos salvar sua vida intelectual. Isto é, ao participar de um ambiente carente de desafios, frustrante e estagnador, percebemos que a Chloe estava se entristecendo e começando a criar resistência não somente à escola, mas a tudo o que estava associado à ela, especialmente o estudo. Assim, para não perdê-la de vez deixando que a aversão ao conhecimento criasse raízes em seu coração, tomamos a decisão de educá-la em casa, proporcionando-lhe os desafios e as novidades pelas quais ela ansiava.
Enfim, contei-lhes tudo: a procura de materiais junto a professores qualificados (como o prof. Carlos Nadalim), as pesquisas de materiais estrangeiros, a criação do blog, as aulas de latim, de piano, de violino, o programa de rádio, os artigos para a Revista Andirá. Expliquei-lhes a questão da certificação: o EJA e o ENEM. Citei-lhes a ANED e o projeto de lei pela regulamentação da educação domiciliar. Falei-lhes também sobre a possibilidade sempre existente de retorno à escola, caso haja alguma mudança brusca na dinâmica familiar. E por aí foi.

Quando o Gustavo chegou, a conversa já se encaminhava para o final e eles, tanto a conselheira quanto o conselheiro, demonstravam-se positivamente surpresos com tudo o que havíamos falado. Passei-lhes o endereço do blog, o email, os dados de todos nós, enfim, tudo o possível para deixá-los por dentro do assunto e deixando bem claro que nada do que temos vivido é segredo, é algo do qual nós possamos nos envergonhar ou algo que poderia prejudicar nossos filhos.

Da parte deles, ficou o triste aviso de que, por estarmos em uma cidade do interior, onde as pessoas observam mais a vida umas das outras, provavelmente haveria outras denúncias contra nós, sendo que, em algum momento, tais denúncias poderiam acabar “indo adiante” e chegando ao Ministério Público. Garantimos que, se tal coisa acontecesse, não haveria problema algum, pois estamos dispostos a ir aonde for para defender aquilo que acreditamos ser o melhor para os nossos filhos.

Assim, queridos leitores, deu-se a visita que desde sempre aguardamos e para a qual tanto nos preparamos. Cremos que o resultado foi extremamente positivo, graças a Deus, pois nos deparamos com duas pessoas abertas, dispostas a conhecer e a compreender o que temos vivido, concluindo, também elas, que o saldo do nosso trabalho, até aqui, está acima do que as escolas têm, em geral, obtido Brasil afora.


Que nossa experiência sirva para encorajar a todas as famílias homeschoolers que nos lêem. Nem todos os conselheiros são como os que nos visitaram, nós sabemos disso. No entanto, pesquisar, estudar, preparar-se para esse momento, dispondo-se a explicar todos os pormenores do homeschool a quem não o conhece é simplesmente essencial para que os estereótipos e as fantasias advindas do deconhecimento sejam desfeitas e o caminho seja um pouco mais aberto a nós, os que lutamos por uma educação de qualidade de verdade.
Deixo aqui, por último, um pedido: rezem por nós, para que possamos continuar fazendo um bom trabalho e para que nossos vizinhos nos deixem em paz. Que Deus lhes pague!

Resposta de 0

  1. Prezada Camila Abadie
    Meu nome é Édison Prado de Andrade. Meu site: http://www.direitoaeducacao.com.br
    Sou advogado, especializado em casos do tipo.
    Entendo que os sistemas de educação estão violando direitos das crianças e dos adolescentes, e será um prazer patrocinar seus interesses perante o Sistema de Justiça, e de seus filhos, caso a senhora e seu marido o desejem.
    Parabéns pela transparência, clareza de pensamento e propósito, e amor.

  2. Karol, eu disse em algum lugar (já nem me lembro onde) que não há quem esteja devidamente preparado em nosso país. Todos nós somos herdeiros de um sistema de ensino falido e que só vem piorando com o tempo. Se isso é ruim, certamente que sim. No entanto, isso também nos dá uma medida mais real no tamanho do esforço que precisamos empreender se quisermos que a geração dos nossos filhos se saia um pouco melhor do que a nossa. Preparação deixa de ser um item opcional (a ser escolhido somente em alguns casos e prescindido noutros) e passa a ser obrigação.
    Nós é que impomos nossos próprios limites, Karol! Força!

  3. Camila e Gustavo,
    contem sempre com nossas orações!
    Peço que também rezem por nós. Temos um profundo desejo de educar nossos filhos em casa, mas nossa condição financeira não me permite abrir mão do meu trabalho (que é público, portanto estável).
    Que a Santa Providência os ampare e nos abra os caminhos.
    Grande e apertado abraço.
    Beijos nas crianças.

  4. Camila, leio o blog desde 2013, se não me engano, e me são muito proveitosas todas essas lições, não só de educação infantil na forma bruta, mas sobre como transmitir a confiança e a coragem necessárias a esse trabalho tão terno e delicado. Ninguém melhor que os pais, oleiros da vida, para sustentarem isso.

    Doce família! Deus abençoe vocês.

  5. Que Deus abençoe seus esforços, você agiu muito bem. Com o tempo a gente se acostuma com as visitas do conselho tutelar.Hoje o governo tem menos força para pressionar as famílias que fazem opção pela educação domiciliar.

  6. Espero que vocês fiquem bem, que consigam transmitir conhecimentos pedagógicos exemplar, o que não tem ocorrido nas nossas escolas infelizmente, mas que também eles interajam com outras crianças, porque o desenvolvimento psicossocial é muito importante para a vida do ser humano. Desejo sorte a vocês.

  7. Pela primeira vez hoje leio esta postagem. Sou solteira, sem filhos mas admiro e muito famílias que se dispo~em a educar seus filhos em casa. Força, fé e coragem! Que Deus continue a frente de seus projetos.

  8. Olá, Camila, descobri seu blog hoje e estou maravilhada com a sua postura firme, tranquila e consciente. Estamos vivendo a mesma situação com nosso filho. Nos sentindo ainda solitários em nosso desafio, mas a confiança em nosso coração é o que nos fortalece para continuar. Obrigada por estar compartilhando esse blog conosco. Força e muito amor em nossa caminhada!

  9. Querida camila. Por acaso lendo o midia sem mascara hoje vi seu artigo sobre homeschooling e pude ler mais de seus escritos e conhecer um pouquinho sobre voce. Gostaria de podezr encontra-la e abraça-la.Voce representa muito do que creio e vivo. Tenho o maior orgulho de poder dizer que minha profissao e do lar. Sou grata a Deus por permitir que seja esposa, mae, sogra e breve avo e gaste minha vida nessa tao nobre missao que e minha familia. Vou orar por voce para que continue a repartir com muitos esses principios e proposito para os quais Deus nos deu a familia.

  10. Olá!
    Nosso filho ainda é muito pequeno (tem 9 meses) mas estamos fazendo força para educá-lo em casa. Minha esposa em breve deixará o emprego para poder se dedicar à família (que pretendemos aumentar em breve)
    Abraço

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *