Ouço meu marido falar sobre o desejo de ir embora para o interior desde que o conheci. A propósito, este é um desejo que ele manifesta até nas roupas que veste (sempre que possível): bombachas e alpargatas. No entanto, eu, nascida e criada no interior, cultivo, desde que me conheço por gente, um certo “bovarismo”, afinal, “sofrer em Paris é muito melhor”.

Entretanto, quando os filhos chegam à nossa vida e, especialmente, aos nossos corações, muita coisa costuma mudar, e esta foi mais uma delas. De uns tempos para cá, conforme o “bovarismo” arrefecia e a desilusão com “Paris” e suas tantas “opções culturais” aumentava, meu desejo de retorno às origens tornou-se crescente. Expressão disso (talvez alguns de vocês o tenham visto), foram algumas de nossas mais recentes aquisições literárias: Como fazer quase tudo e Guia prático da auto-suficiência. 

Recentemente, porém, mais uma gota caiu sobre o cálice da capital dos gaúchos: minha filha, dias atrás, exclamou admirada: “Mãe! Uma aranha!”. Não, ela não gritava de medo. Por incrível que pareça, ela gritava era de alegria, pois foi a primeira vez que ela viu uma aranha. Para piorar, disse-me ela que, além de jamais ter visto uma aranha, ela jamais havia visto um sapo. Suas palavras tiveram efeito semelhante ao de um soco em meu ouvido. Fiquei zonza com aquelas duas singelas declarações. Claro, minha filha não sabe o que isso significa, mas eu sei. Que infância é essa, em que a criança jamais viu uma aranha, jamais viu um sapo? Há algo de muito errado… 

Fiquei com um grande peso no coração, orando por uma direção, ansiando por uma mudança, sem saber o que fazer. Ir a um parque não é a mesma coisa que ter um quintal. Descer para o andar térreo do prédio também não. No primeiro deles, os problemas são ou os maconheiros, ou os mendigos, ou a sujeira, ou as pessoas que acham que os cachorros são prioridade, ou os satanistas, ou, cúmulo da falta de noção, os pelados; às vezes vários desses itens reunidos. No segundo, são os vizinhos que deixam os cães fazerem cocô na grama, ou plantam flores onde as crianças gostam de brincar ou, melhor ainda, a vizinha querida que tem duas cadelas absolutamente endemoninhadas: os animas rosnam, latem e erguem-se sobre as patas traseiras de raiva de qualquer pessoa, incluindo meus filhos, incluindo meu bebê; e ela, a querida vizinha, não tem o menor problema com isso.

Como se não fosse o bastante, a gota de transbordamento chegou no último domingo, de maneira dolorosa e revoltante. Copio os dois posts que fiz a respeito no facebook, ainda sob o calor dos eventos, como sinal claro e
incontestável da necessidade de mudança. Conforme vocês verão, relato um dos piores
episódios (acho mesmo que o pior) de nossos dias aqui em Porto Alegre (desculpem-me pelo palavrão, mas quis manter o texto conforme o original)
:

Hoje à tarde (e ontem à noite), teve reunião de vagabundos bicicleteiros
no bar ao lado de casa. Faz parte. É preciso saber conviver quando se
está em uma cidade. No entanto, quando a bagunça começou (por volta das
15h), resolvemos sair de casa mais cedo que de costume, o que já é um
absurdo, que precisemos deixar nossa casa por causa dos vizinhos. Assim,
às 17:30 já estávamos na igreja, pois não havia mais possibilidade de
aguentar o funk e a junção de bagaceiros. Pois bem, agora,
passadas 3 horas e 30 minutos que havíamos saído de casa, ao
retornarmos, encontramos nossa rua fechada e dois FILHOS DA PUTA
pelados, guardando a “privacidade” da festinha ao ar livre. Isso mesmo.
Imagine a cena: você sai, vai à igreja, passa no mercado, leva as
crianças pra comer sorvete, tudo para matar tempo e deixar os mongolões
cansarem da brincadeira, mas, quando chega, precisa correr e tapar os
olhos das crianças para que não vejam os pelados. Deu. Cansei de Porto
Alegre. O que era um desejo mais ou menos vago, virou certeza: não dá
mais pra ficar aqui. As pessoas enlouqueceram completamente e eu não vou
deixar meus filhos enlouquerecem junto. Não mesmo.

O saldo da noite de ontem – para quem está acompanhando a novela do post anterior:
Chloe abraçou-me agradecendo por eu ser uma boa mãe e não tê-la deixado
ver os bagaceiros pelados, apesar de ela ter visto, antes que
entendêssemos o que estava acontecendo, a bunda de um deles.
Bibi adormeceu banhado em lágrimas, no colo do Gustavo, passado das 23h, porque a “música do inferno” não parava.
Maravilha, né?

Para quem acha que estou fazendo drama, exagerando, clique aqui ou aqui e veja com os seus próprios olhos. Eles se orgulham disso. E a polícia passou e não fez nada. Ou seja, não há ninguém por nós, e nós somos minoria.

Assim sendo, e mais cedo do que imaginávamos, começamos a pesquisar um novo lugar para morar. Não sabemos ainda para onde iremos nem quando iremos. Continuamos rezando, pedindo orientação de Deus, mas uma importante lição ficou-me de tudo isso, uma lição que estava passando perigosamente despercebida aos meus olhos: a mais bela descrição de uma aranha não é melhor que a aranha; a mais rebuscada ilustração de um sapo não substitui o sapo; a mais completa descrição de uma teia não dá conta da riqueza da beleza de uma teia de aranha orvalhada, vista contra o sol, numa manhã de outono; a mais complexa descrição do salto de um sapo não é mais lindo que o grito de surpresa de uma criança ao vê-lo pela primeira vez.

Meus queridos leitores, orem por nós. Queremos as aranhas. Precisamos dos sapos.

Resposta de 0

  1. Que horror Camile. Está cada vez mais difícil, viver em sociedade mesmo, as pessoas perderam completamente o respeito. Vocês pensam em morar em uma cidade do interior ou em em um sítio? Pois moro em uma cidade pequena e te digo, não está muito diferente de cidade grande não. Mas Deus mostrará o melhor para vocês! Grande beijo!

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