O “Curso de desenho“, de Charles Bargue, há tempos acumulava pó na estante. Não por falta de vontade ou interesse, mas pela falta de criatividade em transpôr uma pequena dificuldade inicial. Aliado a isso, por tratar-se de um assunto (ou uma habilidade) que não é (ou não é considerada) essencial, fui deixando o tempo passar. Para quem não conhece, o “Curso de desenho” é um tradicional guia para quem quer aprender desenho clássico, um material muito bem conceituado, que serviu à instrução de pintores como Van Gogh e Picasso.


Logo de saída, Bargue propõe como exercício ao aluno o observar e o desenhar de uma figura em gesso. Pronto. The end. Que figura em gesso um ser humano como eu há de ter em casa?! Mas tanto as crianças pediram e tanto eu mesma queria aprender que resolvi incomodar um amigo arquiteto a respeito da proposta do livro. Explicou-me ele que a figura em gesso poderia ser tranquilamente substituída por um objeto branco qualquer, desde que opaco, pois um dos objetivos desta primeira etapa é treinar o olho para a luz e para a sombra — obrigada, Pedro! Certo, fim da enrolação. Agora eu só precisava encontrar um objeto branco e opaco. E encontrei… o dove. É, o sabonete dove, mesmo. Não, eu não tenho mais nada branco e fosco em casa.


Aproveitando a cesta do Nathan e a Mena no colo do papai, lá fomos nós, eu, Chloe e Bibi, na maior empolgação do mundo, desenhar um sabonete. Limpei a mesa, arrumei a luz, peguei os materiais. Tudo ok. Mas… que dificuldade! Céus, como é difícil desenhar! Chloe e Bibi se divertiram um monte e nós ríamos a cada vez que o Benjamin espichava o braço para pegar a borracha e a confundia com o sabonete, mas eu fiquei lá, um tempão, tentando colocar no papel aquilo tudo que eu estava vendo como se fosse a primeira vez na vida. Descobri que há diferentes tons de sombra, diferentes intensidades de escuridão, assim como há diferentes intesidades de luz, embora as variações na luz sejam mais facilmente perceptíveis. Enfim, levei o negócio a sério, pois, na verdade, sempre quis aprender a desenhar, desde criança, mas nunca tive a chance e, com o passar do tempo, deixei a idéia de lado.


A dificuldade de “manuseio”, de familiaridade com o material não foi o que mais me impressionou no meu desempenho, mas, antes, a dificuldade em conseguir colocar no papel aquilo que eu estava vendo. Melhor dizendo, primeiro percebi a minha dificuldade em perceber, minha completa falta de treino visual, e, depois, a dificuldade em materializar em traços aquilo que via. Foi também inevitável pensar em uma dificuldade semelhante, mas que ocorre em uma outra área, isto é, no quanto nos custa conseguir entender o que acontece ao nosso redor e o ser capaz de expressá-lo verbalmente. Quantas vezes, ao começar escrever um texto, as palavras simplesmente seguem numa direção diferente e conferem uma aparência canhestra àquilo que se viu, pensou e compreendeu? Neste sentido, saber desenhar assemelha-se a saber escrever, pois rabiscar qualquer coisa está ao alcance de qualquer um, mas exprimir com toda a veracidade, riqueza e sutileza as experiências que se vive é algo que só se obtém por meio de um treino incansável, permanente. Um treino que todos nós deveríamos ter.

Deixo aqui os resultados desse nosso primeiro e gratificante esforço.

O modelo.
Concentração.
Muita concentração.
Dove do Bibi.
Dove da Chloe.
Meu dove.
O sapeca acordou antes do fim da aula. 🙂

Resposta de 0

  1. Parabéns! Excelente reflexão, também sempre quis desenhar, mas sempre fui covarde, desistia nas primeiras dificuldades. Quem sabe agora, com meu filho fora da escola, eu também me arrisque. Vou colocar em minha lista esse 'Curso de desenho'. Obrigada, Deus continue abençoando sua família!

  2. Legal, parabéns pela coragem! Muitos pensam que desenhar é um dom nato, mas é como andar de bicicleta. Sugiro que procures o livro "Desenhando com o lado direito do cérebro", de Betty Edwards.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *