Coisa mais fácil do mundo, em nossos dias, é fazer os pais se sentirem culpados quando as crianças são submetidas a alguma atividade tida como não-divertida. E a perda de critérios da bondosa gente que mete o bedelho onde não é chamada (que inclui desde a vizinha até o governo federal) é tamanha que não existem mais nuances: ou a criança está transbordando alegria ou está sofrendo terrível e irremediável opressão e maus-tratos psíquicos. Tudo o que a criança pode e deve fazer precisa obrigatoriamente ser divertido, caso contrário é abuso.
Agora, retomando algo que disse no post citado acima, é a infância um fim em si mesma? Ou não seria um tempo especial de transição e preparação para a adultez? Claro, um tempo de maravilhamento, de espontaneidade, de curiosidade e de todas aquelas coisas lindas que são tão mais fáceis e tão mais belas nesses anos de estreia da vida. Mas, mesmo então, respeitando, admirando e cultivando momentos tão preciosos, não se pode perder a perspectiva: a vida, em geral, dura bem mais que estes anos iniciais, e não podemos entregar nossas crianças despreparadas para o que virá depois.
O que quero dizer com tudo isso pode ser resumido como o supra-sumo do politicamente incorreto em matéria de educação de crianças: precisamos trabalhar para que nossas crianças desenvolvam o senso de dever. Refiro-me, especificamente, à inclusão de atividades que se tornem parte da rotina da criança para além dos momentos de estudos e de brincadeiras, atividades estas que a ajudem a desenvolver os sentimentos de participação na família e de responsabilidade consigo e com os demais. Por exemplo: em se tratando de crianças bem pequenas, de dois aninhos, como o meu Benjamin, ensinar-lhe e, depois, solicitar que guarde seus brinquedos, que leve suas fraldinhas (só com xixi) até a lixeira, que recolha as mamadeiras e copos de suco é perfeitamente possível; já em se tratando de crianças maiores, como a minha Chloe, que está com sete anos, ensinar-lhe e cobrar-lhe coisas como arrumar a própria cama, pentear os próprios cabelos, recolher as próprias roupas e levá-las à máquina de lavar e secar a louça são muito tranquilas. Claro, não se deve cobrar algo que não foi suficientemente ensinado e treinado sob supervisão, nem exigir algo que esteja além das capacidades física, motora e psíquica da criança.
Também é essencial deixar sempre muito claro que tais atividades não são uma forma de castigo, mas, antes, uma parte importante da vida da criança e da vida da família; que nem sempre fazemos o que queremos, o que gostamos, o que é mais divertido, mas que precisamos fazer a nossa parte para ajudarmos uns aos outros, senão alguém acabará sobrecarregado; que quanto melhor e mais rapidamente fizermos as nossas tarefas, mais tempo teremos para as outras coisas; que precisamos aprender a fazer todas essas coisas para sermos adultos independentes e seguros, que sabem cuidar de si e de sua futura família muito bem.
A diversão como algo que a criança possa supor como pretensamente onipresente nada mais faz além de produzir uma escalada na busca de mais e mais diversão, custe o que custar, de modo que as singelas alegrias de sua vidinha deixam de ser valorizadas, abrindo cada vez mais espaço para o deserto do aborrecimento e da insatisfação eternos. A diversão como um fim em si mesma torna-se tão vazia e tediosa quanto qualquer outro vício, escravizando seus súditos, os quais sacrificam tudo o mais em seu altar, sempre crentes na promessa de que o passatempo seguinte trará a tão desejada felicidade. Em contraposição, a diversão como o presente há tempos desejado e finalmente merecido, como o evento especial, como a coroa de risadas e brincadeiras depois do trabalho e do esforço, como a conquista planejada, traz saúde à alma, renovo à disposição e ajuda a estabelecer a adequada proporção às coisas da vida. Eis aí a verdadeira “educação para a cidadania”. O resto é conversinha de comunista.
Muito bom seu comentário. Uma sociedade bipolar só pode produzir opiniões como esta. Ainda não sou mãe, mas como professora enfrento a ditadura da diversão. São pais, alunos e, principalmente, coordenadores e diretores que sustentam esta fantasia que está cotada para entrar no folclore nacional.