Aqui onde moro, cidade interiorana, ainda são os cachorros anunciam quaisquer estranhezas nas proximidades. Assim, embora não tenhamos cachorros, somos alertados pelos animais dos vizinhos sobre quando é o momento mais que oportuno para darmos uma espiada pela janela. Ontem à tarde foi uma dessas ocasiões.
Cheguei à janela e de imediato vi um adolescente caminhando sobre meu muro. Outros cinco caminhavam ao lado dele, sobre a calçada, lentamente, outras duas garotas e três rapazes. Pensei com os meus botões que se ele continuasse fazendo somente aquilo, eu não me daria ao incômodo de chamar-lhe atenção, embora o desrespeito seja claro (ao menos para mim, afinal, a idade de caminhar com um pé em frente ao outro em busca de equilíbrio é bem anterior à do marmanjo em questão, mas vamos adiante).
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Como, porém, o esforço em chamar a atenção dos colegas não era ainda suficiente, o garoto resolveu, ao descer do muro, tentar quebrar ao meio a jovem árvore que fica em frente à minha casa. A planta deve ter um pouco mais de dois metros de altura, foi podada e encontra-se sem folhas por ocasião do outono. Sem aparentemente razão alguma, o marmanjão agarrou-se aos poucos galhos da árvore e esforçava-se por dobrar seu fino tronco ao meio, procurando parti-lo em dois. Não aguentei-me. Não sou daquele tipo “engajado” ou “consciente” que abraça árvores e as prefere em lugar de seres humanos, porém, idiotice gratuita tem hora e local, e aquela não era a hora e a minha calçada não era o local, por isso abri a janela com estrondo e berrei assim, no tom mais despeitado que consegui:
– Ei, moleque!
Imediatamente o garoto congelou, no exato instante em que se esforçava por quebrar a planta, ainda com os galhos entre as mãos. Olhava-me como quem é pego com as calças arriadas. E eu tive que segurar-me para não rir. Então acrescentei:
– Deu?! Terminou?! Ou vai continuar?!
A essa altura o resto da turma já ia adiante dele, rindo e olhando para trás, como o bando que abandona o seu membro mais fraco para ser devorado (a fidelidade entre moleques é uma droga). Como se não fosse o bastante, bastou que o rapaz soltasse a árvore para que a vizinha do outro lado da rua se juntasse a mim, gritando coisas como: “Vai quebrar a arvorezinha! Mas que falta de respeito!” e blá, blá, blá. Eu aproveitei a recém estabelecida aliança e repliquei do meu canto: “Isso aí é falta de trabalho, vagabundagem de sobra!”.
Depois, quando Gustavo chegou em casa, contei o ocorrido entre risadas a ele, que amorosamente repreendeu-me pela rudeza e sugeriu-me que, da próxima, pegasse o machado e me oferecesse para ajudar o menino. Seria hilário vê-los correndo, apavorados com a “tia louca do machado”. Fim do episódio, ao menos por enquanto.
Todavia, não escrevi tudo isso simplesmente para fazê-los rir ou para bancar a valentona. Escrevi porque aquilo que gritei para o moleque é algo em que acredito profundamente: nossos adolescentes não têm algo em que valha a pena empenhar-se, algo em que valha a pena gastar as próprias energias. Encontramo-nos em uma época que extrapola todos os limites razoáveis e promove a infantilização do ser humano, se possível, até a velhice. Hoje, jovens de 16 anos, assassinos brutais e confessos, são tratados pela imprensa e pelos advogados como “menores de idade”. Hoje, homens de 23 anos, que desrespeitam tanto quanto possível até mesmo a polícia, manifestando-o publicamente, são tratados pela mesma imprensa e advogados como simples “jovens“. Hoje, homens de quarenta anos descobrem de repente, como quem enxerga uma espinha no queixo diante do espelho pela manhã, que querem “viver a vida” e jogam filhos e mulheres para o alto. Hoje, crianças não podem trabalhar. E não estou falando de quebrar pedras em pedreiras aos 4 anos de idade por 12 horas seguidas, pois isso é obviamente errado e já existe lei contra isso. Refiro-me ao estafante, arriscado e complexo trabalho de… ajudar a lavar a louça ou arrumar a cama. Não pode. É proibido. É exploração de mão de obra infantil.
O resultado não pode ser outro além do seguinte: estatura emocional, moral e intelectual de crianças em corpos adultos. E se isso, por si só, já é um desastre em termos individuais, quanto mais em termos coletivos, quando um país inteiro mergulha num eterno jardim da infância!
Crianças precisam ser cobradas e desafiadas, de acordo com as suas capacidades, rumo amadurecimento, rumo à adultez, rumo à autonomia! Seus corpos manifestam isso! Seus ímpetos o demonstram todos os dias! Adolescentes precisam ser exigidos e desafiados, de acordo com as suas capacidades, rumo ao amadurecimento, rumo à adultez, rumo à autonomia!
Seus corpos manifestam isso! Seus ímpetos o demonstram todos os dias!
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Uma sociedade que infantiliza seu povo, acorrentando-o na imaturidade por todos os grilhões possíveis, não merece o menor respeito nem a menor obediência, pois promove o que é mau, o que é nefasto, o que impede toda a plenitude da vida. Por isso, eu e minha família continuaremos desobedecendo: continuaremos educando nossos filhos em casa, continuaremos ensinando-os a cuidar dos afazeres domésticos, continuaremos incentivando-os a voar alto, tão logo suas asas estejam maduras o bastante para fazê-lo. Aqui, imprensa e advogados a serviço do sistema não têm voz nem vez. Nem moleque vadio que não respeita o que não é seu.