Iludem-se aqueles que imaginam que as cartilhas e livros governamentais são os únicos materiais nocivos dos quais nossas crianças precisam ser protegidas. Sim, neles há toda sorte de erros, de concepções ideológicas travestidas de “fatos”, estímulos às drogas, ao desenvolvimento prematuro da sexualidade, entre outras coisas. No entanto, nossos adversários são bem mais espertos do que isso e seus braços são bem mais longos também.

Não raras vezes vejo pais e mães comemorando o interesse dos filhos em livrinhos infantis. Dizem, aliviados, que os filhos gostam de ler, que pegaram gosto pela coisa, que serão estudiosos e por aí vai. O problema é que poucas vezes os pais têm o mesmo entusiasmo para averiguar o tipo de conteúdo presente nos livrinhos e a respectiva mensagem que eles transmitem. Tal imprudência é mais ou menos o mesmo que deixar a criança entregue à TV, alegando que, afinal de contas, trata-se de um inofensivo canal de TV a cabo infantil.

Os engenheiros sociais sabem que juntamente com a influência dos pais (cada vez menor, dado o esfacelamento das famílias e as altíssimas cargas horárias de atividades que as crianças cumprem, hoje em dia, fora do cuidado e da supervisão familiar), a influência exercida sobre o imaginário infantil através das histórias, desenhos, fábulas e até músicas será decisiva para a construção do tipo de “cidadão” desejável. Não por acaso vivemos em uma época em que a nova moda é desconstruir os velhos contos e reescrevê-los, esvaziando-os totalmente dos ensinamentos morais e espirituais que auxiliavam no desenvolvimento, manutenção e fortalecimento das virtudes características da cultura judaico-cristã. 

Como exemplos concretos daquilo a que me refiro, citarei apenas dois casos, dos mais óbvios dentre muitos outros e mais sutis:




Super Why



Super Why é um desenho exibido no Discovey Kids Brasil, um canal de TV a cabo voltado para o público da primeira infância, desde bebês até crianças por volta dos seis anos de idade. Sob o pretexto de ensinar novas palavras às crianças, expandindo seu vocabulário, o Super Why reescreve os contos clássicos, tais como “O lobo mau” e “João e o pé de feijão”, alterando-lhes por completo o sentido. No episódio, por exemplo, do lobo mau, que é a representação alegórica do pedófilo, o lobo é transformado na raposa legal, de modo que todo o desenrolar da trama original é adulterado, e, portanto, a moral da história, que pretendia alertar as meninas para os perigos das conversas com homens desconhecidos, é perdida.

The night dad went to jail
 

Lançado em 2011, nos EUA, o livrinho acima, cuja tradução do título poderia ser “A noite em que papai foi para prisão”, faz parte de uma série chamada Life’s Challenges, da Capstone. Como vocês podem imaginar, a proposta do livro é bastante explícita em sua intenção de ajudar as crianças a lidar com problemas reais e cada vez mais comuns nas famílias (se você não se chocou com o que acabei de escrever, por favor, faça soar o alarme). A obra, bem como a série da qual faz parte, não receberam, até onde pude averiguar, tradução para a língua portuguesa, mas se não o receberam, certamente apontam para uma nova tendência e para um novo nicho do mercado editorial infantil. Já pensaram no quão úteis podem ser historinhas como “O dia em que mamãe virou prostituta”, “Quando meu irmão tornou-se um dependente químico” e coisas semelhantes?


Em outras palavras, não basta apenas que as crianças adquiram o hábito da leitura ou assistam a programações pretensamente selecionadas de acordo com a idade em que estão. Não. É preciso que adquiram o hábito da leitura lendo boas obras, preferencialmente mais antigas e clássicas, as quais ainda transmitem a riqueza do patrimônio imaginativo e cultural sobre o qual se assenta o Ocidente. Investindo em obras desse tipo, que geralmente encontram-se disponíveis em sebos a preços bem mais em conta do que os últimos lançamentos editoriais, bem como investindo em brinquedos e jogos que realmente estimulem a imaginação e a participação das crianças, não haverá tanto tempo nem tanto desejo de programas de TV. Além disso, é preciso que tenhamos sempre claro que, assim como a qualidade daquilo que comemos afetará nossa saúde física, assim também a qualidade daquilo que lemos, assistimos e ouvimos repercutirá sobre nossa saúde psíquica, moral e espiritual. Os engenheiros socias sabem muito bem disso. Mas e nós, pais e mães brasileiros?

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  1. Que horror essa estória do Lobo Mau! É o tal do "politicamente correto" para crianças… Tudo bem que mesmo os pais ensinando e educando, não há como livrar da aproximação de pedófilos ou pessoal mal intencionadas, e muito menos, que um dia, os filhos esqueçam essas estórias quando crescerem… Mas deturpar totalmente um conto infantil clássico seja lá a que título for… Talvez pelo amor aos animais, é demais, né?
    Lembrei do Monteiro Lobato que quase foi proibido – se é que não o foi – nas escolas… Não tenho filhos então pouco acompanho esse cotidiano, mas os assuntos educacionais me interessam muito…

  2. Oi, Rodrigo! Comigo, tudo bem. E contigo?

    Acabei de ler a notícia no G1 e achei interessante. Mais cedo ou mais tarde algum lugar tentaria algo nessa direção, rumo à digitalização total.

    Achei bacana o fato de não terem liberado as crianças menores do exercício de caligrafia durante a alfabetização (coisa que, aqui no Brasil, professores, alunos e pais costumam dar um dedo para verem-se logo livres).

    Mas quem acertou em cheio, na minha opinião, foi aquele especialista entrevistado ao final: a tecnologia só poderá ser bem aproveitada quando as escolas souberem precisamente o que querem com ela. Caso contrário, virará perfumaria.

    Por fim, acredito que, apesar das melhorias nos desempenhos e comportamentos dos alunos, só o tempo poderá dizer se tal modificação metodológica e estrutural foi essencialmente boa para todos, se ela promoveu de fato uma mudança a longo prazo, se "engajou" (eita palavrinha mais na moda) os alunos em suas próprias formações, se a disposição deles para a pesquisa e estudo mudou realmente, ou se trata-se apenas de uma mudança superficial, relacionada exclusivamente com a ferramenta utilizada e não com o conhecimento em si.

    Obrigada pelo envio do link. Vou procurar prestar mais atenção a estes novos movimentos.

    Um abraço!

  3. Gostei muito do texto, e acompanho, na medida do possível o que minhas filhas veem na tv, mas me atentei mais pro super why quando minha filha disse que a historia de verdade não era do jeito "super why" e me toquei, eles sempre mudam a historia, e não há nada muito inofensivo na discovery kids, bons desenhos não ficam muito tempo no ar, sempre tem muito lixo e engenharia social que pode passar desapercebida, devemos estar atentos sempre e limitar o tempo na tv, que deve ser orientado limitado e acompanhado.

    hoje me perguntei: quem está doutrinando meus filhos?
    a tv tem mais espaço na vida deles do que eu?

    p.s. gostei muito dos textos sobre educação liberal e trivium.

    tempos dificeis que exigem mais de nós, pais…

  4. Oi, Leonardo!

    Pois é, essa é uma boa questão: será que os tempos exigem mais de nós ou nós é que nos descuidamos da nossa vocação? E quando eu digo "nós", não me refiro especificamente a mim e a ti, mas à nossa geração como um todo.

    Talvez tenhamos que reaprender o que seja a maternidade e a parternidade, pois o que mais temos ao nosso redor são pessoas se reproduzindo e abandonando emocional, moral e espiritualmente umas às outras.

    Você faz bem em levantar tais questionamentos. Que Deus nos ajude.

    Um abraço e muito obrigada pela visita e pelo comentário!

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